ENCONTROS E DESPEDIDAS – EDIÇÃO 2004

bebesp.jpg

O ano passado, mais ou menos por essa época, escrevi um post falando sobre essa coisa de encontrar e despedir. Falo dos meus alunos. E este ano, me vejo de novo com a mesma pontinha de angústia… E a mesma pontinha de felicidade.

Li o que tinha escrito e vejo que é exatamente o que sinto hoje. Então, vou colocar aqui novamente. Só muda a segunda parte, onde ficam as pérolas ditas pelos bebês deste ano… E as fotos. 🙂

***

bebessp.jpg

25 crianças de 3 a 6 anos de manhã… Mais 35 à tarde. Pra cuidar deles na sala, só eu e Deus, e os 5 anjos da guarda que cada um deve ter. Sim, porque criança pequena tem uma pá de anjos da guarda. Afinal, eles fazem as maiores loucuras e vão e voltam inteiros todos os dias, salvo um ou outro galinho na cabeça, pé torcido ou braço quebrado. Nas condições mais complicadas, eles conseguem se divertir. Digo isso com muito respeito. Uma das escolas em que trabalho é de latinha, aquelas, que nada mais são do que barracões de zinco onde o governo municipal literalmente depositou crianças e professores. E ainda assim, eles estão lá, sorrindo, brincando, aprendendo. E vão dividindo essa alegria de viver conosco, pobres, velhas, desvalorizadas e cansadas professoras de educação infantil.

Infelizmente, muita gente não saca que, trabalhando com crianças, dá pra colecionar gotinhas de sabedoria, carinho e felicidade todos os dias. Mesmo nos primeiros dias quando eles choram desesperados querendo ir embora, ou mesmo nos dias em que eu estou tão esgotada de cansaço que não consigo mais sequer olhar pra eles direito. Eles são fofos mesmo quando são irritantes.

Difícil essas coisas da vida. Eles chegam tão bebês. Não sabem pegar no lápis, ir ao banheiro sozinhos, não sabem tirar a blusa quando faz calor, falar o que pensam e sentem. Sofrem demais com essa coisa de ter que ir pra um lugar desconhecido, sem nenhuma pessoa familiar por perto, só porque os adultos decidiram que é bom pra eles. Choram, esperneiam, se descabelam. E aos pouquinhos vão aprendendo que tem hora pra tudo. Aprendendo a amarrar o cadarço do tênis. Aprendendo a se defender dos outros. Que por mais que demore, a hora de ir pra casa sempre vem. Vão aprendendo a contar o que pensam. A negociar. Aprendendo a conviver com os nãos, com o preconceito, com os pontos de vista diferentes. Aprendendo que é importante saber quem se é, importante saber brincar e se divertir, importante se superar. Chegam batendo na altura da minha cintura, me olhando desconfiados, com raiva ou com medo. E saem batendo na altura do meu colo, sorrindo, correndo, pulando que nem cabritos e berrando sem parar, alegres da vida, cheio de amigos e planos pro futuro. E tenho que deixar eles irem, só pra começar tudo de novo. Muito difícil essas coisas da vida. Na teoria funciona bem. Mas na prática, é complicado encontrar e separar, pra eles e pra mim.

***

“- O médico disse que eu tenho que fazer regime.
– Ah é? E o que você tem que comer pra fazer regime?
– Ah… Chocolate, pizza, feijoada, pipoca, bolo…
– Uai, que raio de regime é esse? Não tem que comer salada, cenoura, abobrinha?
– Não! O regime é meu, oras, eu como o que eu quiser. “


“( Eu, bravíssima. ) – Já que você gosta de ser tão engraçadinho, eu vou te colocar no berçário de castigo. Anda, pode vir que eu vou te levar lá JÁ.
( Começa a chorar e espernear ) – Não, eu não quero irrrrrrrrr!!!!!
– Não quero saber, você vai e pronto.
( Chora desesperado, quando vem um amigo e o abraça com força. )
– Calma! Olha, ela vai levar você, mas depois ela traz de volta! Olha só, eu fui e voltei! Seja forte! Não chora! Obedece ela!
( O condenado continua chorando desesperado, eu quase não estou aguentando de vontade de rir, quando o amigo vem e me diz, com cara de mártir: )
– Prô, ele está muito abalado. Posso ir no lugar dele? “

bichinhosdelap.jpg

“- Posso ir brincar?
– Não, você vai ficar aí sentado mais um pouco pra pensar no que você fez. Onde já se viu, morder o amigo, empurrar ele na areia? Que horrível. Isso não se faz.
– Mas prô, deixa eu ir… Por favor.
– Não.
– Eu não vou fazer mais.
– Você sempre diz isso. Não acredito mais. Pode ficar aí. E eu vou contar tudo pros seus pais.
( Chega o agredido, senta no meu colo e diz: )
– Deixa ele ir brincar, prô?
– Não, ele vai ficar aí… Ele machucou você. Olha só, ficou roxo.
– Mas não tá doendo mais.
– Não?!
– Quer dizer, tá doendo… Mas tá doendo pra ele ficar aí também, né?”

“- Prô linda, você fica tão bonita de cor de rosa… Parece uma Barbie, uma menina superpoderosa…
– Ah, muito obrigada! Fico feliz quando você me acha bonita, querida!
– Então pode ficar feliz sempre, porque eu acho você linda sempre… É que tem dias que eu esqueço de dizer. Mas você é linda todo dia, todo dia, todo dia.”


“- Toma, prô, uma cartinha de amor que eu escrevi pra você levar pro *****.
( Abro a cartinha, e está escrito, “*****, a minha prô adora você”, e um desenho de um casal dando as mãos, cheio de corações em volta. )
– Linda a sua carta, querida, obrigada, mas eu não tenho mais nada com o *****.
– Puxa, prô, você troca muito de namorado!
( Fico vermelha. ) – Ah, não é isso… É que se não dá certo com um, a gente tem que tentar de novo, né?
– E por que não dá certo com um?
– Porque às vezes, por mais que você goste da pessoa… Algo acontece e dá tudo errado.
– Nossa, que complicado, se gosta, porque acontece algo errado?
– Não sei… Só sei que às vezes as pessoas não conseguem mesmo ficar juntas, ou ficam juntas mesmo sem estarem felizes… O que é mais triste ainda.
– É, pensando bem… Você tá certa. Pode namorar quantos namorados precisar, mas tem que ficar feliz. Não faz mal, eu faço outra cartinha.”

“- Escuta, menino, porque você tem mania de me chamar me beliscando? Puxa, custa chamar pelo nome?
– Ah, prô, é que eu gosto de apertar você… ( Abraçando minha coxa ) Você é tão fofinha!”

“- A professora nova é feia.
– Mas você ainda nem sabe quem vai ser sua professora nova! E se ela for mais bonita que eu?
– Ninguém é mais bonita que você.”

“- Então o ano que vem eu vou pra primeira série?
– Vai…
– Eu tô com medo, sabe, Karina…
– Sei… Entendo o seu medo. Mas vai dar tudo certo… Além do quê… Você ainda vai passar por isso muitas vezes na vida… E vai perceber que no começo é difícil, mas depois fica legal.
– Eu queria ficar.
– E eu queria que você ficasse… Mas você vai. E vai dar tudo certo.
– Eu volto pra te visitar, tá?
– Você vai esquecer de voltar.
– Não vou… Se eu esquecer, você me lembra. Tá?
– Tá.”

bebesssp.jpg

27 comentários sobre “ENCONTROS E DESPEDIDAS – EDIÇÃO 2004

  1. Ei, Karina!

    Crianças são iguais nesta fase, né? Não conheç oseus alunos, mas em diversas “conversas” que você reproduziu, eu vi algum aluno meu … na sala …no parque … Esses pequenos têm mesmo o dom de nos enxergar lindas e perfeitas … mas é que a beleza e a perfeição estão na sinceridade e na singeleza dos sentimentos … E as situações engraçadas? Ah… Essas compensam muita coisa chata que a gente aguenta …Aqui vai uma pérola da minha sala :

    “Menina: _ Eu moro numa casa

    Menino 1 _ Eu moro em apartamento.

    Menino 2 _Eu não moro em apartamento, moro numa casa e a casa da minha vó fica assim montada na minha”

    Fora quando eles querem: _ Prô … Conta a história do Gato de Bos…………rsrsrsrsrsr.

    Curtir

  2. Oi Karian, que bacana esse post. Sabe, eu estou cursando Pedagogia com habilitação em Educação Infantil, logo estarei trabalhando com crianças de 0 a 6 anos e para mim foi o máximo ler tudinho que vc escreveu, principalmente os diálogos com as crianças. Valeu mesmo, palavra!

    Curtir

  3. Criança é bom demais… Aí vai uma: Um amigo meu que agora mora em BH, veio passar uns dias aqui em Salvador e ficou na casa do irmão que tem um filho de 5 anos. Esse meu amigo recebeu um telefonema e começou a falar em inglês. O menino espantado perguntou ao pai: – Pai, por que meu tio tá falando legendado? Por que ele não fala dublado?

    Criança é mesmo surpreendente!Bjs.

    Curtir

  4. Karina,

    Em primeiro lugar agradeço a visita e o elogio!!!

    Agora falando das crianças, é muito bom curtir essa inocência com eles né, sou professor também e gosto muito das crianças, mesmo que as vezes elas tenha a habilidade de nos irritar muito rs…

    Beijo

    Curtir

  5. Karina, não sou uma nova leitora sua…já à tempos que passo por aqui mas quietinha.O mais importante pro educador é sentir sua missão cumprida, não é mesmo?Eles vão embora sim…mas levam dentro deles um pedacinho de você…olha que presente lindo é esse!Obrigada pela visita, a porta ficará sempre aberta 🙂

    Curtir

  6. Começar a viver deve ser árduo, né? Deve doer!

    E que difícil a tarefa dos educadores, embora a missão deles seja DIVINA, na total acepção da palavra. E deve doer-lhes também dar asas à essas crianças, mesmo sabendo que ano que vem outras chegarão.

    Karina, parabéns, seu trabalho é nobre, além de lindo.

    Que Deus faça que milhares de bebês mais passem por suas mãos, pessoa de tal sensibilidade (a ponto de me fazer molhar o teclado, agora). Sorte deles e sorte do Brasil que muito provavelmente terá bons cidadãos, pois tiveram boa base.

    Curtir

  7. Karina,

    Todas as vezes que entro nesse site me deparo com algo especial… Hoje sobrou um tempinho e pude ler alguns textos, como esse! Que lindo…

    Você é muito especial… Como gostaria de ser sua amiga…

    Beijos

    Cristina

    PS: Sei que pode parecer estranho, mas esse é o único blogger que eu leio e você sobe cada vez mais no meu conceito… você parece ser uma pessoa maravilhosa…

    PS: Meu e-mail: cristinadbernardes@yahoo.com.br.

    Se você resolver me entrar em contato, ficaria muito feliz, já que não tenho seu e-mail…

    Curtir

Deixar mensagem para princess Cancelar resposta