UM LUGAR PARA SONHAR

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O cinema é um lugar fantástico. Paradisíaco. Totalmente paradisíaco.

No cinema eu já ri de besteiras homéricas até a barriga doer. Já chorei, e muito, ao ponto de voltar pra casa de olhos inchados e chorar por mais de uma semana só em lembrar de uma história triste que me foi contada. Já beijei e namorei bastante embalada pelas comédias românticas que eu tanto gosto de ver. Já comi pipoca, jujuba, cachorro-quente, chocolate e pirulito. Já caí e passei vexame tentando encontrar um lugar no escuro. Já tive conversas sérias. Já conheci gente. E já me senti na mais completa solidão, em uma ou outra sessão da tarde em que só eu e o projetista estavam presentes. Já tive raiva secular de personagens que nunca tinha visto antes. Já pensei sobre problemas, fatos e causas para as quais eu jamais teria atentado. Já me senti totalmente abalada. Já saí achando que o ingresso não valeu o filme, e também já achei que pagaria mil vezes mais se precisasse para ver o que vi. Já senti medo, com direitos a arrepios e pulos da poltrona. E já me senti tão angustiada que tive que sair antes do filme acabar. Definitivamente, o cinema mexe com as minhas emoções. Mesmo quando a sala é ruim, mesmo quando o preço é um abuso, mesmo quando o filme não corresponde às expectativas… Mesmo quando eu nem pensava em ir, como hoje, o cinema me chama. E eu vou.

Acima de tudo, o cinema é lugar pra sonhar. “Temos a arte para que a verdade não nos destrua.” Acho que era o que dizia o Nietzsche. E é bem por aí. Naquela telona, os sonhos ganham movimentos e ficam maximizados, de maneira que a coisa mais absurda vira realidade por algumas poucas horas. Cinema é lugar para esquecer a realidade e transcendê-la, ou repensá-la e lembrá-la como se estivéssemos fora dela. Por isso aquela tela me parece tão mágica. E por isso eu me deixo ser enganada por aquelas imagens. E adoro.

Esses dias eu tenho sentido uma saudade muito grande do tempo em que eu ia, no mínimo, uma vez por semana no cinema. É que a vida anda esquisita. Pessoas andam muito brutas e egoístas, ligadas a futilidades e materialismos. Projetos e ideais andam sendo corrompidos. Pouca gente sabe os reais significados de palavras como prazer, leveza. Lutas de uma vida toda vão por água abaixo por conta de uma mala de dinheiro ou uma conveniência qualquer. Está cada vez mais difícil achar alguém com o coração aberto para o amor, e por consequência, cada vez mais difícil aprender a amar alguém. E no meio disso tudo, eu gostaria de ver muitos filmes bonitos – comédias românticas bobocas, musicais despretensiosos, dramas de finais felizes, imagens fantásticas e belíssimas que só poderiam nascer na cabeça de uma pessoa – nunca da realidade. Talvez a vida ande carregada demais, e eu esteja precisando de um pouco de ilusão. E foi aí que me lembrei da garçonete do Woody Allen. Aquela. Todos os dias, ela fugia da vida dura que levava ali, na sala de cinema. Nos filmes do Woody Allen, é impossível saber se ele queria que ríssemos ou chorássemos. Mas ao ver esse filme, eu chorava, e muito. Pensei se ainda conseguiria chorar se o visse de novo hoje. Os olhos da Mia Farrow ao ver Fred Astaire e Ginger Rogers dançando “Cheek to Cheek” tinham um brilho que hoje eu queria ter nos meus. O brilho de quem acredita que a vida pode ir um pouco além da aspereza e da infelicidade do dia-a-dia. O mesmo acontecia com a senhorita Lisbela. Sonhava dentro do cinema para ganhar força pra continuar acordando fora dele.

Quando eu era mais nova, gostava de imaginar muitas coisas, me ver em várias situações. E a fantasia que eu mais curtia era a de ser atriz. O dinheiro, a fama e os prêmios nada me diziam. Mas me encantava a possibilidade de ser muitas pessoas sem deixar de ser uma só. Me atraía a poesia das histórias, a versatilidade dos sonhos que os atores vivem, essa coisa de construir uma pessoa dentro de você e vesti-la, depois desvesti-la. Claro, não levei a sério porque para certas coisas é preciso talento. Mas trouxe a sensação da brincadeira comigo. E de vez em quando é bom viver outras vidas, nem que seja sentada em uma poltrona de uma sala de projeção, quando a sua parece tão pequena… Tão vazia de sentido, de emoção. Dizem que assim é que é bom, assim que é certo. Uma pena que eu não possa impedir a minha natureza sonhadora de se manifestar e querer muito mais. Mais paixão, mais movimento, mais ilusão, mais ação… Mais sonho.

E no meio de tanta coisa que eu lembrei, lembrei também da canção da Lisbela, que eu estava ouvindo no carro agora a pouco. Por alguma razão, eu fiquei contente ao ouvir a voz suave dos Los Hermanos enquanto dirigia. Talvez seja porque, por mais dura e esquisita que a vida seja, eu percebi que ninguém vai me impedir de querer. Querer dançar nas nuvens como a Ginger Rogers. Querer um beijo apaixonado. Querer um fato sobrenatural. Querer que toda uma trajetória dê certo. Querer sentir o cheiro de pipoca no ar sempre que o dia parecer pesado demais. Ninguém pode me impedir de querer… E muito menos de sonhar. Dentro ou fora do cinema. Eu quero um final feliz.

“Eu quero a sina de um artista de cinema…
Eu quero a cena onde eu possa brilhar.
Um brilho intenso, um desejo, eu quero um beijo,
Um beijo imenso, onde eu possa me afogar…
Eu quero ser o matador das cinco estrelas.
Eu quero ser o Bruce Lee do Maranhão.
A Patativa do Norte, eu quero a sorte
Eu quero a sorte de um chofer de caminhão
Pra me danar por essa estrada, mundo afora, ir embora
Sem sair do meu lugar…
Pra me danar, por essa estrada, mundo afora, ir embora
Sem sair do meu lugar…
Ser o primeiro, ser o rei, eu quero um sonho.
Moça donzela, mulher, dama, ilusão.
Na minha vida tudo vira brincadeira,
A matinê verdadeira, domingo e televisão.
Eu quero um beijo de cinema americano,
Fechar os olhos, fugir do perigo.
Matar bandido, prender ladrão…
A minha vida vai virar novela!”

19 comentários sobre “UM LUGAR PARA SONHAR

  1. Querida,

    Pensei muito em vc esses dias. Acabei, na última hora indo à FLIP e levando do aeroporto à Paraty, nosso querido Milton.

    Fiz um post… Vamos combinar com andecedência uma ida a Paraty em 2006.

    O cinema é magico e ando, como vc, querndo ver coisa bonita, leve. Cansei de tanta violência.

    Lisbela é lindinho, e sim, Woos Allen quer fazer o espectador rir e chorar…e consegue.

    Saudades suas.

    Beijão

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  2. Acho que eu nunca te disse, então digo agora, vc foi a melhor parceira de cinema que eu tive na vida. Exatamente por isso – o brilho nos seus olhos quando vê aquelas coisas é igual ao de uma criança numa loja de doces, e é sempre bom ver alguém se emocionar tanto…… Vamos marcar uma sessão qualquer dia desses?

    Meu pc agora parece que engrenou.

    Bjo enorme pra vc, estrelinha. Mesmo afastado, continuo torcendo pela sua felicidade todos os dias. Smack.

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  3. Tem que ser Karina. É disso que precisamos. Você falou bem… toda essa porcaria acontecendo no país, no nosso dia-a-dia nos tira um pouco do tesão mesmo mas, não podemos deixar de querer, deixar de sonhar, de ter esperança.

    Beijo grande!

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  4. Oi Karina,

    Fiquei feliz com a sua visita no meu blog. Eu venho aqui há algum tempo, sempre adoro o que vc escreve, me identifico muito. Aquela carta da professora eu mandei pra toda a minha caixa postal. Esse texto do cinema, então, concordo 100%. Eu ADORO cinema, quase todos os tipos de filme. E nas 2 horas que eu tô lá eu esqueço do mundo. E também brincava que queria ser atriz quando crescesse!

    Volte sempre lá, eu tô sempre dando uma passadinha aqui!

    beijos

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  5. Oi Karina,

    Fiquei feliz com a sua visita no meu blog. Eu venho aqui há algum tempo, sempre adoro o que vc escreve, me identifico muito. Aquela carta da professora eu mandei pra toda a minha caixa postal. Esse texto do cinema, então, concordo 100%. Eu ADORO cinema, quase todos os tipos de filme. E nas 2 horas que eu tô lá eu esqueço do mundo. E também brincava que queria ser atriz quando crescesse!

    Volte sempre lá, eu tô sempre dando uma passadinha aqui!

    beijos

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  6. Amo essa música, amo cinema… mas também não tenho ido com tanta frequência não… Pra falar a verdade às vezes prefiro o conforto da minha casa, uma pipoquinha e um chocolate quente feitos pelo meu namo … Enfim…rs…

    Mesmo assim gostaria de ter mais tempo e mais tempo ainda…rs… pra ir ao cinema sempre…

    Beijos querida

    Desculpe a ausência…

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  7. AI, Karina….

    Adoro filmes… e você falando com tanto entusiasmo da telona.. .Acho que preciso ir ao cinema! Pelo mesno pra ter encanto por algumas horas…

    Beijinhos, amiga, descanse nas nossas férias relâmpago|!

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  8. Karina, eu juro pra vc que ainda no primeiro parágrafo, tive a certeza que vc falaria sobre a garçonete do Woody Allen. Também me sinto como ela, como vc, enfim, como as pessoas q ainda conseguem sonhar. E eu sonho, viu? Até com os filmes do Walt Disney (nem sei se não são nesses q sonho mais).

    Mas saindo dos “daydreams” e caindo na real, o q me deixou feliz, mesmo, foi ler o e-mail da professora!

    Um beijo com carinho.

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  9. Karina, que maravilha de texto! Que singeleza e ao mesmo tempo profundidade emanam destas palavras…

    E a Cecilia é uma das minhas personagens preferidas também, dentre os muitos filmes do Allen.

    Lindo texto, parabéns. Você conseguiu traduzir muitos sentimentos que são intrínsecos à minha personalidade. E às de muitas pessoas, provavelmente.

    Um beijo. Obrigada pela visita e pelos elogios! 😉

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  10. Um lugar pra sonhar… isso sim seria bom, onde cada momento fosse defelicidade e em cada rosto tivesse um sorriso por mais boboca que fosse.

    Como diria um amigo meu ” Nada melhor do que um sonho para se construir um futuro” então que ele seja sonhado, em cada detalhe em cada pedaço, construindo um lugarzinho que seja só nosso, mais se alguém quiser fazer parte, existe um preço: Deixar-se acreditar e amar muito!

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  11. Ai ai ai. Assisti dia desses um filme tão lindo miga. Inconscientes, lembrei de ti.

    É do circuito de alternativo de cinema, veja se consegue ver por aí, se não vem pra cá com o Beto que eu e o moço levamos vocês 😉

    Beijos!!

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  12. Karina, sempre me arrependo quando passo um tempao assim sem vir aqui. você escreve tão gostoso!

    O cinema é meu namorado sério. quando vivia em Recife ia uma ou duas vezes por semana. Mas aqui no monte estou restringida pela distância.

    Ultimamente escolho o filme pelo tom… romance, drama, comédia…. Evito os de terror e violência. Acho que meu cérebro não suporta mais esses filmes que gastam a seratonina da gente!

    Muitos beijos

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  13. Tão bom quanto ir ao cinema e nos deixar levas pelas histórias no telão é se deliciar com os seus textos e nos deixar levar pelo filme que passa em nossas mentes ao ler suas idéias. Adoro isso. 🙂

    Beijão do seu amigo. :-***********

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  14. Ka:

    É isso aí: ir no cinema é bom até quando o filme é ruim!!!

    Porque o cinema não só uma tela com um película passando, não..é tudo isso que você escreveu tão bem, são trechos de nossa própria vida, do que vivemos ou do que queríamos viver, dos nossos medos, de angústias que por vezes fugimos, mas que podemos ver na vida de outros, protegidos pela idéia de que é ficção, historinha…das alegrias que não valorizamos por estarmos tão ocupados com obrigações (essa sou eu, mas eu vou mudar).

    Um beijo. Alê.

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  15. Lendo o seu texto, dá vontade de MORAR no cinema. Coincidentemente, estou indo ver Batman daqui a pouquinho… Também adoro, e me faz escapar um pouco da verdade. Por isso quero muito ver o novo filme com o Johnny Depp, que deve ser realmente fantástico, como diz seu título.

    Queria conseguir gostar de filmes antigos, mas não dá pra mim. Gosto dos novos mesmo.

    Beijo, beijo, beijo!

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  16. Cinema pra mim é alento….Segue um trecho do belissimo poema de Drummond ” Canto ao Homem do Povo Charlie Chaplin”:

    “Falam por mim os que estavam sujos de tristeza e feroz desgosto de tudo

    que entraram no cinema com a aflição de ratos fugindo da vida – sao duas horas de anestesia, ouçamos um pouco de música , visitemos no escuro as imagens – e te descobriram e salvaram-se.”

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