QUANDO SER FELIZ VIRA OBRIGAÇÃO



Eu ADORO livrarias. Putz! Que lugar legal pra se ir.

Hoje estive em uma. Gosto de passar um tempo lá. Gosto de ouvir os papos das pessoas, puxar conversa, ver gente escolhendo livro. Aquele cheiro de livro novo é maravilhoso, uma delícia. Gosto de olhar os livros bonitos que eu não tenho dinheiro pra comprar, e também os que eu compro mesmo sem dinheiro pra pagar. Gosto de olhar os livros que tenho dinheiro pra comprar, mas que não compraria jamais. Mas a parte mais divertida, sem dúvida, é passar pelo setor de auto-ajuda.

“Casais inteligentes enriquecem juntos”, “Como solidificar seu relacionamento sem discutir a relação”, “Sendo um líder inesquecível”, “Ensinando seu filho a ser um vencedor”, “O sucesso é você quem faz”, “Vencendo o medo”, “Quando você é seu maior inimigo”, “Emagreça comendo”, “Alimentando a bruxa que há em você”, “Como fazer amigos e influenciar pessoas”… Aff. Tem receita pra tudo. Os livros de auto-ajuda são os mais vendidos, e ficam bem na porta da livraria. As pessoas que compram esses livros são engraçadas. Elas olham, olham, olham e escolhem sempre os mesmos. Tem uns que disfarçam, mas depois voltam e pegam escondido. Outros levam cinco ou seis de uma vez. Outros perguntam pra quem está perto, “já leu esse aqui? Funciona? Puxa, vou levar!”. E tem quem escolha decididamente e em silêncio.

Eu odeio livros de auto-ajuda, todo mundo sabe, embora meus textos, muitas vezes, pareçam com os desses livros. Eca. ( Qualquer dia faço uma limpeza nesse blog e jogo metade dessas baboseiras fora. ) O que mais me chama a atenção é a proliferação desse gênero de leitura. Até livro, ultimamente, tem que ser funcional. Tem que dar resultado. Pra mim, dá mais resultado ler um poema que me faça pensar, ou uma história, ou uma explicação científica ou religiosa pras coisas da vida, ou conhecer a biografia de gente de verdade que tem algo a ensinar. Mas o que eu vejo nesses livros, no monte de e-mails que me mandam e no discurso das pessoas, é uma obrigação chata de ser feliz. E, devo lembrar… Toda obrigação é opressora.

Sim, temos que ser felizes todo o tempo! Vamos ser magros, lindos, bem sucedidos, sem problemas no amor e nem na conta do banco. Se você não consegue, é porque você não quer. Basta seguir um programa de nove ou doze passos pra aprender. Seja feliz! Sorria! Perdoe! Passe por cima! Compreenda! Vença! E não esqueça de pagar a conta na saída.

As pessoas desaprenderam a sofrer. Elas têm horror a sofrimento, e sofrem só com a idéia de sofrer. Sinto no ar um desespero silencioso, que é sempre abafado por um sorriso e um “tudo bem, vai passar”. As pessoas acham feio sofrer. Acham feio estar fora das regras. Acham feio errar. E não percebem que, assim, sofrem duas vezes.

Não estou fazendo apologia do sofrimento, nem sou masoquista. Deus sabe que o pessimismo me irrita, e que, como diz aquele samba, a coisa mais feia é gente que vive chorando de barriga cheia. Sou a primeira a enxergar que depois da tempestade vem a bonança. Mas também sei que a dor, nessa vida da gente, é inevitável. E quando ela vem, procuro aprender com ela, e não fingir que ela não me pega. O problema é que muita gente não entende isso. É por isso que pensei em escrever uma nova declaração, assegurando o direito ao sofrimento, à dor, às coisas que dão errado.

Ei-la:

DECLARAÇÃO LIVRE DOS DIREITOS DAS PESSOAS DESOBRIGADAS DA FELICIDADE CONSTANTE

I – Toda pessoa tem o direito de errar, mesmo que já tenham explicado a ela mil vezes o certo sem que ela tenha entendido, pois o tempo de compreender e aprender é de cada um.

II – Toda pessoa tem o direito de mudar de idéia, de se contradizer, de voltar atrás, de recomeçar, pois a melhor coisa da vida é mudar, principalmente nas coisas que a gente pensava serem imutáveis.

III – Toda pessoa tem o direito de chorar, de sentir dor, de soluçar e de ficar com ar melancólico, pois o riso, muitas vezes, é falso, enganador e insano.

IV – Toda pessoa tem o direito de fazer silêncio, de calar, de não responder, de ficar quieta e não sair tagarelando, pois no silêncio estão as melhores respostas.

V – Toda pessoa tem o direito de se cansar e de ficar doente, pois o corpo, muito mais sábio que a mente, não é de ferro e sabe sinalizar a hora de parar.

VI – Toda pessoa tem o direito de enraivecer, de xingar, de esmurrar as paredes, de jogar coisas no chão, de gritar. Pois, como disse aquele poeta, tem coisas que só o grito consegue dizer.

VII – Toda pessoa tem o direito de perder, pois só quem perde sabe o quão inesquecível e instrutiva pode ser uma derrota. ( Sobre isso, ouça esta canção. )

VIII – Toda pessoa tem o direito de se dar mal nos negócios, de não conseguir lidar com dinheiro, de não querer ser rico, pois quem tem muito normalmente esquece como é viver com pouco.

IX – Toda pessoa tem o direito de ter medo, pois o medo é um bom anjo da guarda.

X – Toda pessoa tem o direito de duvidar, de perder a fé e de achar que tudo vai dar errado, pois às vezes, tudo dá errado mesmo, e não é culpa de ninguém.

XI – Toda pessoa tem o direito de não saber, pois quem já sabe tudo perde o motivo de viver.

XII – Toda pessoa tem o direito de falar bobagem, pois nem sempre é legal ser inteligente.

XIII – Toda pessoa tem o direito de se esconder, pois todo refúgio é recuperador.

XIV – Toda pessoa tem o direito de se achar o camarada mais ferrado do mundo, pois o problema de cada um é o pior do mundo para cada um.

XV – Toda pessoa tem o direito de reclamar, pois externar o descontentamento ajuda a gente a pensar sobre ele.

XVI – Toda pessoa tem o direito de desperdiçar uma boa chance, pois mesmo as boas chances, muitas vezes, não chegam em boas horas.

XVII – Toda pessoa tem o direito de não ser feliz incondicionalmente o tempo todo, pois a infelicidade faz parte da vida. E é mais feliz quem sabe lidar com ela do que quem a ignora.

Observação:. Diante de tantos direitos, fica estabelecido para a pessoa o dever de preservar os outros de suas más fases, evitando o desrespeito, a agressão e a impertinência, pois precisaremos dos outros para comemorar conosco quando tudo passar.

EXPEDIENTE:
Vocês conhecem uma coisa chamada “O Teatro Mágico“? Não? Hum… Tá perdendo. MESMO. 🙂

34 comentários sobre “QUANDO SER FELIZ VIRA OBRIGAÇÃO

  1. Ebaaaa!

    Agora os escritos estão mais frequentes!!!
    Muito boa sua declaração! Vou enviar para uma amiga que está precisando ler isso (com os devidos créditos…Hehehe)

    E… Teatro Mágico? Não conheço, mas já vi que aparece por Osasco mês que vem…Quem sabe?

    Beijos!!!!!!

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  2. Eu nunca tinha pensado nessas coisas. Mas comecei a pensar e acho que vc tem razão, flor. Sempre que me sinto triste ou cansado, o que eu quero é sossego. Vc vingou todos os sofredores desse mundo que são pentelhados por aqueles que não sabem sofrer!
    Vc sabe que amo essa canção dos Los Hermanos. E sabe também que morro de saudades de vc.
    Um bjo enorme!

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  3. Karina, já leio seus textos há mais de dois anos, e eles sempre me encantam e se encaixam tão bem no meu cotidiano. No de todo mundo, assim imagino, mesmo diferentes, sinto que nossas vidas são sempre muito iguais a das outras pessoas. Enfim, pela primeira vez resolvi comentar, aliás, apenas agradecer (seria dificil escolher um texto apenas, ou todos que gostei para comentar) e dizer que admiro muito a sua facilidade pra escrever, pra se expressar. Obrigada.
    Patrícia

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  4. Concordo. E a respeito de livros de auto ajuda e outros tantos, eu concordo com a frase:
    “A arte de não ler é muito importante. Consiste em não sentir interesse algum por aquilo que está a atrair a atenção do público numa determinada altura. Quando um panfleto político ou eclesiástico, um romance ou um poema estão a causar grande sensação, não devemos esquecer-nos de que quem escreve para tolos tem sempre grande público. Uma condição prévia para ler bons livros é não ler os maus: a nossa vida é curta.”

    Arthur Schopenhauer

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  5. Puxa, é sempre maravilhoso te visitar ! Fazia um tempo que tinha vindo aqui. E que ótimo ver tantos posts ainda não lidos. Vc tem o dom da palavra. Duvido que alguém não se identifque com seus textos.
    Parabéns e obrigada !

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  6. Karina

    Jah fazia tempo que nao passava por aqui, por falta de tempo, por falta de interesse, nao sei. Amei, amei, amei. Ainda mais eu, cujo sofrimento eh inexplicavel, e que preciso de 112mg de venlafaxina e 3mg de alprazolan por dia, por 5 anos, porque tive a terceira recaida ansiosa-depressiva. E ninguem me diz se eh genetico, se eh comportamental, eu soh sei que nao eh culpa minha.
    Obrigada por escrever esses direitos.
    Ajuda, viu?
    Beijos,

    Ivana

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  7. Amiga. Isso parece coisa de cinema, mas é verdade eu sei que você vai acreditar, pois me conhece. Pois bem, exatamente nesse diaem que vc incluiu esse “posting”, eu vi um livro que cheguei a pegar para comprar pra você: “Manual da Autodestruição”; mas desiti por não saber se vc o tinha.
    Beijos!

    ET. Passa lá que eu postei dia desses.

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  8. Karina, minha “GURU”!
    Obrigada pela visita em meu BLOG. Viu como ele tá fraquinho? Quase não escrevo nele. Não tenho computador em casa e no trabalho…. aquela correira, prazos a cumprir….
    Domingo eu fui na LAN e visitei seu Maravilhoso BLOG, foi reconfortante ler tantos escritos lindos!! Eu estava meio triste, meio só e suas palavras, as do JUNG, me fizeram acreditar mais em mim. Obrigada.
    bjs
    Vânia

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  9. Ontem de madrugada trombei c/ seu blog. Karina, ele é muuuuuuuuito astral.
    Adoro a Mafalda, sou psicóloga e adoro artes como não trombei c/ vc antes?
    Manda brasa (como diz minha orientadora)!

    Beijos,
    Renata
    Brasília

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  10. Que maravilha voltar por aqui e achar um texto tão delicioso de ler! É sempre uma surpresa boa. É sempre surpreendente.
    Você é sabida demais, Karina!!!!!!!!!!
    Beijos.

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  11. (Olha, já tinha postado isso aqui… Sumiu, HUMPFT, espero que não apareçam dois comentários meus, ave, rs)

    Miga linda, e sabe que, outro dia, triste, fui procurar algo pra comprar e satisfazer sei lá o quê. Topei com um desses livros de auto-ajuda e pensei se ter aquilo em mãos, ler, pudesse realmente mudar alguma coisa…. Bem, não mudaria nada, a não ser alguns (muitos) reais a menos na minha conta, o que definitivamente me deixaria ainda mais triste naquele momento! rsrs Me dei o direito de ir pra casa e dormir até cansar. Consegui resistir às fórmulas mágicas! rs Espero conseguir nas próximas.
    Quanto ao Teatro Mágico… AMO!!! Mas só consegui vê-los uma vez, no ano passado.:-(

    Saudade, viu?

    Beijocas

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  12. Vim parar aqui nem sei como… acho que pelo blog da Ivana, amiga de Recife. E que surpresa boa! Adorei esse código anti felicidade constante. Isso sempre me incomodou. Não dá pra ser feliz, linda, magra, bem humorada, bem sucedida, bem amada e com brilho no olhar o tempo todo. Eu tb quero meu direito a ficar na deprê de vez em qdo, sem ninguém me olhar com cara de coitadinha. Volto outras vezes!

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  13. Simplesmente ADORO esse seu blog! !
    Não lembro como o descobri… mas desde que o li pela pirmeira vez, deixei gravado nos “favoritos” do meu PC. E nunca mais deixei de ler diariamente seus longos textos maravilhosos.
    Já tive um blog também, mas o aposentei há algum tempo. Só sei que há muito não via alguém escrever com tanta veracidade.
    Parabéns!

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  14. Quero te dar os parabéns por escrever de forma tão clara e direta… seus textos são maravilhosos. quem precisa de livros de auto-ajuda depois de ler esta mensagem? Obrigada!!!

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  15. Sempre passo no seu cantinho para ver as coisas lindas que vc escreve. Todo texto novo, me surpreende.
    Traduziu exatamente o que estou passando.
    Adorei!!! Lindo texto!!!

    Um abraço

    Carol

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  16. Engraçado.. um dia desses escrevi no meu flog sobre isso! heeheheh Concordo plenamente. Tem horas q irrita essa obrigação da felicidade.
    Adorei o texto com os mandamentos!
    Quanto ao Teatro Mágico, conheço e adoro! Fico feliz por eles enfim terem caído no gosto do mundo! Eles são espetaculares!

    bjao

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  17. Uma coisa absurda que eu vejo nos livros de auto-ajuda, além de eles serem detestáveis, é exatamente o termo “auto-ajuda”. Ora, se alguém escreveu o livro, outra pessoa leu e se sentiu ajudada por este livro, então não rolou uma auto-ajuda, mas sim uma ajuda!! Auto-ajuda é quando a pessoa se vira sozinha!! Portanto, livro de auto-ajuda, pra mim, é um termo contraditório em si!! A não ser que alguém escreva um livro pra si mesmo. Aí sim…

    Parabéns pelo texto. Sinto como se eu mesmo o tivesse escrito, tamanha a identificação!!

    Wellington Teixeira

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  18. Adorei seu blog, principalmente o texto referente às pessoas desobrigadas de serem felizes incondicionalmente. Tenho certeza que ele serviu pra mim como uma luva!!!
    Adooorei!!!
    Bjão e continue escrevendo coisas ótimas como faz pois estarei sempre lendo…

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  19. Texto excelente. Vez ou outra, paro pra pensar em como somos escravos dos ideais do senso comum, resumindo, a permanente felicidade! O sorriso constante! A eterna busca do sucesso profissional. E o pior é que nem sempre essa exigência vem de nós mesmos, temos de atender às expectativas dos outros! E o livre arbítrio? Até Deus nos permitiu, porque a sociedade não? Todos que, por algum motivo, mesmo que provisoriamente, vão na contra-mão dessas regras, são julgados. Isso cansa. Lembro-me do dia da formatura do meu marido. Havíamos discutido no caminho pra festa, e, obviamente, eu estava chateada e precisando de um tempo pra digerir o ocorrido (claro que não tornei pública a nossa discussão, não é do meu feitio). O problema é que, mesmo com anos de relacionamento, ainda não aprendi a dissumular quando estou triste, e naquele ano sabia menos ainda, principalmente porque acredito termos o direito de deixar de fingir sorrisos sonsos. Bem, mesmo sem (em nenhum momento) deixar meu então namorado de lado, eis que me surge um tio-avô dele e fala no meu ouvido: “Hoje é um dia de festa e alegria, voce tem que mudar essa cara.” Queria eu naquela época ter a cara-de-pau de hoje e dar-lhe uma bela resposta, mas apenas sorri e concordei. No decorrer do evento, acabei relaxando, mas nada teve a ver com o vovozinho enxerido. Acho péssimo como as pessoas(que na maioria das vezes nem nos conhecem o suficiente) acham que têm o direito até de mandar nos nossos sentimentos…

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  20. Oi!

    Há alguns anos recebi essa declaração por e-mail da minha irmã, mas não tinha autoria. Esses dias fazendo uma “faxina” na minha caixa de e-mails redescobri o texto e fui procurar o autor e achei seu blog. Me identifiquei totalmente com suas ideias e com a observação feita ao final…rs Publiquei no Twitter, aos trechos e citei seu blog, já que não vi nenhum link aqui para divulgação direta.

    Parabéns! 🙂

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